Dr Rafael Augusto Souza

Saiba como praticar algumas ações que levam a evitar o câncer de intestino e alcançar a cura daqueles que já possuem a doença.

câncer de cólon
Dr Rafael e equipe realizando o tratamento cirúrgico de um câncer de reto por videolaparoscopia, conferindo menor dor, melhor recuperação e melhor resultado estético.

O câncer de intestino grosso é conhecido como câncer colorretal, e é o 2º tipo de câncer mais comum entre homens e mulheres (excluindo o câncer de pele não-melanoma). É importante falar sobre ele porque além de poder ser evitado e também tratado precocemente, seu tratamento tardio (ou o não-tratamento) pode levar a grandes impactos na saúde física, social, mental e espiritual das pessoas. Grande parte do estigma do câncer de cólon e de reto está associado a morte e também ao uso de bolsas de colostomia, mas como veremos a seguir esses percalços podem ser evitados com ações a serem feitas hoje.

O Que É Câncer Colorretal ?

Câncer é o nome que se dá genericamente aos tumores malignos (mas precisamente “neoplasias malignas”). Quando isso acontece no intestino grosso chamamos de câncer colorretal. Isso porque o intestino grosso é a porção final do trato digestivo, e pode ser dividido em ceco, cólon e reto. A maioria dos casos de câncer colorretal são do tipo adenocarcinoma.

Tumores malignos são aqueles tumores que têm a capacidade de crescer invadindo estruturas e órgãos vizinhos (invasão local) e órgãos não-vizinhos (metástases). E aqui cabem 2 ressalvas:

  1. Perceba que ser maligno ou benigno tem a ver com A CAPACIDADE DO TUMOR, e não com seu estágio atual. Ou seja, um tumor pode agora não ter metástases e mesmo assim ser maligno. Se não for tratado, ele pode evoluir com desenvolvimento de metástases (uns mais rápidos, outros demorando mais).
  2. TODO CÂNCER É MALIGNO. É só reler a primeira frase desse capítulo. Isso NÃO quer dizer que seja intratável, ou incurável, ou que já tenha metástases.

A maioria dos casos de câncer colorretal começa como pólipos, que são pequenos nódulos benignos da parte de dentro do intestino. Isso é bom, pois a detecção e tratamento de pólipos nos permite evitar que ali cresça um câncer.

SINTOMAS

Muitas vezes o câncer colorretal em estágio inicial não apresenta sintomas visíveis, o que torna essencial o rastreamento regular para diagnóstico nessa fase, evitando diagnóstico em fases avançadas e de tratamento mais mórbido. Mas quando há sintomas, é preciso estar alerta aos sinais:

  • Alterações do ritmo intestinal: diarreia, prisão de ventre, sensação de que o intestino não esvazia completamente.
  • Sangue nas fezes: sangue vivo ou fezes escurecidas.
  • Fadiga/cansaço ou indisposição: pode ser causado por anemia relacionada à perda de sangue.
  • Desconforto abdominal: dores ou cólicas frequentes, sensação de inchaço.
  • Perda de peso inexplicável: sem alteração de dieta com esse fim, ou sem mudança/adição de exercícios físicos.

FATORES DE RISCO

É bom lembrar que fatores de risco não são uma condenação, mas estatisticamente estão associados a uma maior chance de se desenvolver a doença. Por isso, todo aquele que pretende evitar a doença deve pensar em evitar (quando possível) os fatores de risco.

  1. Sedentarismo: não fazer atividade física regular é ruim.
  2. Obesidade: qualquer perda de peso bem orientada já ajuda, mas estar no seu peso ideal é melhor.
  3. Tabagismo: não tem só a ver com câncer de pulmão. Muitos tipos de câncer estão associado ao hábito de fumar. Evite qualquer tipo.
  4. Consumo excessivo de álcool: quanto menos, melhor.
  5. Dieta pobre em fibras e rica em gordura: o que você come de segunda a sexta é mais importante do que aquilo que você come de sexta a segunda. Mas bom senso é fundamental (e o mais difícil).
  6. Idade acima de 45 anos.
  7. Histórico familiar para câncer colorretal: em especial parentes de primeiro grau.
  8. Histórico pessoal para câncer colorretal: sim, se você ainda tem intestino grosso, você pode ter outro câncer colorretal.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico pode acontecer durante uma investigação de sinais e sintomas, ou durante o rastreio (ou rastreamento) de pacientes assintomáticos, ou seja, sem sintomas (falaremos mais de rastreio na sessão de “Prevenção”).

Vale destacar que muitos exames auxiliam na investigação em caso de suspeita de câncer colorretal, mas o diagnóstico definitivo só pode ser dado pela análise histopatológica de:

  1. amostra retirada durante uma biópsia,
  2. ou peça cirúrgica (material/órgão(s) retirado durante uma cirurgia).

Essa análise é feita por um médico patologista em laboratório específico para esse fim. O tempo até o resultado varia de acordo com cada laboratório, mas 15 dias costuma ser um bom prazo-limite nos bons laboratórios.

Dentre os exames complementares que auxiliam na investigação, podemos destacar:

  • Tomografia computadorizada: detecta a presença de massas, espessamentos da parede do intestino, aumento de gânglios (linfonodos), e lesões suspeitas para metástases à distância. Muito útil também num contexto de urgência médica. Importante destacar que uma “tomografia sem alterações” não afasta a possibilidade de um câncer colorretal.
  • Ressonância magnética: é especialmente importante para o câncer de reto, principalmente nas suas porções mais próximas ao ânus. Nesses tumores mais baixos, além de detectar massas tumorais, passa informações adicionais que orientam o melhor tratamento para esses casos.
  • Exames de sangue: identificam pacientes com anemia. Dosagem de marcadores tumorais como o CEA; aqui vale lembrar que assim como valores normais de CEA não excluem a possibilidade de câncer colorretal, valores acima da referência não dão diagnóstico de câncer. Esses marcadores têm maior importância para o acompanhamento dos pacientes.
  • Colonoscopia: padrão-ouro para câncer colorretal.

Colonoscopia: Como assim Padrão-Ouro ?

A colonoscopia é o principal exame para detectar um tumor no cólon ou no reto, isso porque ele permite a visualização da camada de dentro do intestino (a mucosa), local onde o câncer colorretal normalmente se desenvolve. Permite a detecção de lesões grandes e também as muito pequenas (algumas até na fase pré-maligna, ou seja, nem chegam a ser câncer ainda).

A colonoscopia é feita por uma câmera longa e maleável que é introduzida pelo ânus de um paciente sedado ou anestesiado, até visualizar todo o intestino grosso (reto, cólon e ceco). O exame em si não traz nenhum desconforto (em função da sedação), mas a queixa de que seu preparo pré-exame é desagradável aparece com certa frequência (em geral o preparo é na véspera, ou até no dia do exame). Isso porque para se ter uma boa visualização da mucosa não pode haver fezes no intestino. Ou seja, o paciente evacua bastante antes do exame para que o intestino fique “limpo”.

Outra queixa, principalmente dos homens, diz respeito aos estigmas relacionados à sexualidade de quem passa por um exame através do ânus (infelizmente isso ainda é um tabu).

Ao detectar lesões suspeitas de câncer, o colonoscopista consegue fazer biópsia da lesão (retira um fragmento), para em seguida encaminhar ao patologista. Assim temos o diagnóstico definitivo de câncer. Por isso é considerado o padrão-ouro para diagnóstico de câncer colorretal.

Algumas lesões suspeitas podem ser completamente retiradas durante a colonoscopia. Hoje em dia, muitas lesões até mesmo extensas podem ser tratadas diretamente pela colonoscopia quando o exame é feito por médico especialista nesse tratamento, evitando assim a cirurgia.

TRATAMENTO

Como a ampla maioria dos cânceres, o tratamento do câncer de cólon e de reto vai ser orientado pelo estágio da doença. E via de regra, quanto mais avançado for o estágio, mais arrastado e complicado tende a ser o tratamento. Por isso é importantíssimo fazer o diagnóstico ainda em fase precoce; de preferência, antes de aparecerem os sintomas.

Apesar de juntarmos em uma palavra só, quando falamos de tratamento é importante separar o câncer de cólon do câncer de reto (em especial o reto médio e baixo).

Câncer de Cólon

O tratamento curativo envolve a CIRURGIA para retirada do tumor e dos gânglios (linofonodos) relacionados a ele.

Quando o paciente é bem preparado dos pontos de vista nutricional, funcional, psicológico e social, com cirurgia eletiva (aquela marcada, não aquela feita de emergência), a chance da cirurgia ser feita por via minimamente invasiva, seja videolaparoscópica ou por robótica, é grande nas mãos de um cirurgião com expertise nessas técnicas. Assim também diminuem demais as chances da necessidade de bolsa de colostomia ou ileostomia no pós-operatório (o que é uma grande preocupação dos pacientes no momento do diagnóstico de câncer e no momento que se fala em cirurgia). É claro que em medicina é difícil dizer a palavra “nunca”, mas é bem perto disso.

Radioterapia tem pouco uso para esses casos.

A quimioterapia normalmente fica para depois da cirurgia em casos selecionados. Quando já existem metástases detectadas antes da cirurgia, alguns casos precisam de quimioterapia antes de operar. Nesses dois contextos, terapias-alvo e imunoterapia podem ajudar em alguns casos (a depender de certos critérios a serem discutidos com o oncologista clínico).

  • Terapia-alvo: alguns tipos de câncer têm células que apresentam proteínas exclusivas e conhecidas. Assim foram criadas medicações que atuam sobre esses alvos específicos, que não estão presentes em células normais. Repito que são casos bem selecionados.
  • Imunoterapia: são medicações que estimulam o próprio sistema imunológico do paciente a combater as células cancerosas. Também dependem de subtipos muito selecionados.

Câncer de Reto

Podemos dividir o reto em três, a partir da margem anal:

  1. Reto alto: a parte mais distante do ânus.
  2. Reto médio: logo abaixo do alto.
  3. Reto baixo: mais próximo ao ânus.

No tratamento do câncer de reto alto, podemos utilizar o mesmo racional do câncer de cólon.

No caso do tumores de reto médio e baixo, alguns casos se beneficiam de radioterapia e quimioterapia antes e/ou depois de operar, mesmo na ausência de metástases. Isso é definido em conjunto com o cirurgião oncológico, visando uma maior chance de cura e uma menor chance de recidiva (o câncer voltar). Alguns casos selecionados nem precisarão de cirurgia, mas isso tem que ser bem discutido entre paciente, cirurgião e familiares.

Os tumores de reto baixo muitas vezes envolvem uma cirurgia mais mutilante, com a ressecção do reto e do ânus (junto com sua musculatura). Esses pacientes precisarão de bolsa de colostomia definitiva (para o resto da vida).

Em suma: quanto mais baixo o tumor, mais desafiador será o tratamento.

Colostomia e Ileostomia: a famosa Bolsinha

Colostomia é um procedimento cirúrgico de exteriorização de uma parte do cólon através da pele do abdômen. A ileostomia é similar à colostomia, mas com um segmento do íleo (porção final do intestino delgado). As fezes então passam a sair por esse segmento exteriorizado, e caem numa bolsa acoplada na pele do abdômen.

Muitas vezes elas são necessárias numa primeira cirurgia para garantir segurança ao procedimento, podendo posteriormente serem revertidas com cirurgia.

Sempre que há uma ressecção (retirada cirúrgica) de intestino, temos que suturar as duas pontas de intestino uma na outra para re-estabelecer o trânsito intestinal (anastomoses). Nem sempre essa sutura é segura, ou nem mesmo possível. Nesses casos lançamos mão da colostomia ou da ileostomia. O desvio do caminho natural das fezes (que seria até o ânus) dá à anastomose o tempo necessário para cicatrizar com segurança. Seria como desviar o trânsito de uma rua para outra, fechando a esquina com balizas até que se termine uma obra de manutenção do asfalto; uma vez que a obra termine, se re-estabelece o trânsito normal.

É sempre importante conversar com o cirurgião sobre a possibilidade de elas serem necessárias, e a importância delas para um tratamento seguro. Anastomoses inseguras têm mais chance de arrebentar, levando a complicações pós-operatórias que demandam mais intervenções, mais tempo de recuperação, mais “saúde” do paciente, prejudicando toda uma cadeia de tratamentos que estavam planejados.

Há muito estigma em torno das bolsas de colostomia/ileostomia, mas elas têm papel insubstituível em muitos casos.

PREVENÇÃO

Dr Rafael Augusto Souza é cirurgião oncológico formado pelo INCA, e graduado em Medicina pela UFRJ, com mais de 10 anos de experiência profissional.

Como já falamos na sessão de Fatores de Risco, manter um estilo de vida saudável é a melhor forma de se prevenir contra o câncer de cólon e o câncer de reto (sugiro voltar lá na sessão de Fatores de Risco para dar uma olhada de novo).

Mas um passo importância na prevenção do câncer colorretal é o rastreio. Lembrando que rastreio é a pesquisa de uma doença em um indivíduo SEM sintomas.

O rastreio deve ser feito por colonoscopia a partir dos 45 anos de idade. Se o exame vier normal, deve-se repetir a cada 10 anos. Essa recomendação serve para todos: homens e mulheres.

A colonoscopia não só detecta câncer, como muitos pensam. Ela detecta lesões (principalmente pólipos) que agora são benignas (não-câncer). Mas se sabe que a maioria dos casos de câncer colorretal se desenvolveram a partir de lesões benignas como essas. Então a colonoscopia:

Ressecção de um pólipo por colonoscopia.
  1. Detecta câncer colorretal
  2. Detecta lesões pré-câncer
  3. Trata (resseca) essas lesões pré-câncer (o termo correto é “pré-maligna”)

A prevenção ainda é a forma mais eficaz de “cura”.

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