Dr Rafael Augusto Souza

Entenda os riscos de uma mulher, o papel do homem nesse câncer e como se prevenir do câncer de colo de útero.

Por que falar de câncer de colo de útero?

Você sempre sonhou com uma vacina que pudesse te proteger do câncer, certo?!? Agora você encontrou um tipo de câncer que tem vacina. Mas apesar disso, o câncer de colo de útero segue sendo o 3º tipo de câncer mais comum nas mulheres (excluindo os cânceres de pele não-melanoma), perdendo apenas para o câncer de mama e o câncer colorretal (saiba mais em CÂNCER DE CÓLON e RETO: a informação que salva).

Dr Rafael Augusto Souza é cirurgião oncológico formado pelo INCA e médico graduado pela UFRJ. Palestrante do Congresso Brasileiro de Câncer na Mulher, é especialista atuante na área de Oncoginecologia, com expertise em cirurgias por vídeo.

O Que É CÂNCER DE COLO DO ÚTERO ?

Primeiro é importante ressaltarmos o que é câncer.

Câncer é o nome que se dá genericamente aos tumores malignos (mais precisamente “neoplasias malignas”). Quando isso acontece na porção do útero que se conecta com o fundo da vagina, chamado de colo do útero, usamos a expressão genérica de câncer de colo de útero, ou “câncer cervical”. Lembrando que a maior parte do útero fica dentro do abdômen da mulher, na pelve, mas ele se estende até o canal vaginal pelo fundo da vagina.

Apesar desse termo comum (“câncer”), na verdade estamos falando de um grupo extenso de doenças do útero que têm algumas características em comum mas muitas diferenças entre si. Vejamos as principais semelhanças das doenças que chamamos de  câncer:

  1. Todas são resultado da multiplicação exacerbada, desordenada e desenfreada das células de alguma camada do útero.
  2. Podem invadir as estruturas vizinhas (e algumas não-vizinhas) se não forem tratadas adequadamente.
  3. Podem voltar depois tratadas (chamamos isso de “recidiva”).

CAUSA E FATORES DE RISCO

O HPV (papilomavírus humano) é a principal causa de câncer do colo uterino. Ele é um vírus transmitido sexualmente por contato. Quase todas as pessoas que já iniciaram a vida sexual já foram infectadas por algum tipo de HPV, sendo os tipos HPV 6 e HPV 11 os mais comuns.

Mas calma… não se desespere. Existem muitos tipos de HPV; mais de 100. Os dois mais associados com câncer de colo são HPV 16 e HPV 18. Cerca de 70% dos casos de câncer estão relacionados a esses 2 tipos de HPV.

Importante entender essa diferença:

“QUASE TODO CASO DE CÂNCER DE COLO VEM DE UMA INFECÇÃO POR HPV. MAS POUCOS CASOS DE INFECÇÃO POR HPV SE TRANSFORMAM EM CÂNCER.”

Entre os fatores de risco para o câncer cervical podemos destacar:

  • Início precoce da vida sexual e múltiplos parceiros: pois isso aumenta a exposição (tempo e variedade) à infecção pelo HPV.
  • Imunodeficiência: seja por doença ou por medicação, um sistema imunológico enfraquecido aumenta a taxa e a gravidade de infecção por HPV.
  • Tabagismo: não é só o pulmão que é afetado pelo tabagismo. O risco de câncer de colo de útero é 2 vezes maior nas mulheres fumantes.

“Como eu peguei isso, doutor?”

Pergunta muito comum no consultório. Mas infelizmente a resposta é sempre decepcionante. Seja porque não dá pra saber quando você foi infectada (uma vez que após a infecção, a lesão causada pode levar mais de 10 anos para evoluir com câncer), seja porque você tem consciência de que só teve relações sexuais com uma pessoa. E nesse contexto entram duas questões culturais muito fortes mas que na prática ajudam pouco:

  1. Sexualidade: Quem te passou o vírus não tem como saber onde e quando se infectou (já que muitos são assintomáticos e quase 100% da população já teve contato com o vírus). É uma infecção comum, mas como a via é sexual, damos mais importância a ela do que damos a gripe. Ou mesmo ao covid-19.
  2. Culpar um evento isolado: É comum as pessoas optarem por lidar psicologicamente com um assunto grave quando ele está ligado a um evento específico. De preferência isolado. Entender que se trata da consequência de um comportamento rotineiro é mais “difícil” e menos aceitável para a maioria de nós.

TIPOS

Como falado anteriormente, câncer é um grande grupo de doenças com características comuns (já relatadas). Os principais tipos de câncer de colo de útero são:

  1. Carcinoma escamocelular (CEC): também conhecido como “carcinoma escamoso”, ou “carcinoma epidermoide”, ou “carcinoma espinocelular”, ou “carcinoma de células escamosas”. É o mais comum.
  2. Adenocarcinoma: de origem glandular, esse câncer costuma ter origem na camada de dentro do colo, a endocérvice.
  3. Sarcoma: tumor raro do útero, mas que tem uma evolução e tratamento menos parecidos com o tratamento dos outros dois tipos. Falaremos mais dele em outro artigo.

SINTOMAS

Nos estágios iniciais, o câncer de colo de útero não apresenta sintomas. Mas conforme o câncer progride, as principais queixas que podem aparecer são:

  • Sangramento vaginal anormal (fora do ciclo menstrual e com aspecto diferente).
  • Dor ou sangramento durante as relações sexuais.
  • Corrimento vaginal incomum.
  • Dor pélvica.

Vale destacar que nenhum desses sintomas é exclusivo de câncer. Todos eles podem estar presentes em uma doença benigna. Mas é válido também destacar que a presença de qualquer desses sintomas deve motivar a busca por ginecologista ou médico especializado. A investigação é mandatória, e pode ser a diferença entre vida e morte.

RASTREIO e DIAGNÓSTICO

Existe uma recomendação para buscar identificar câncer de colo de útero em mulheres SEM SINTOMAS. Essa estratégia é chamada de rastreamento, ou rastreio. No Brasil, há recomendações de diversas entidades para esse rastreio.

Teste de Papanicolau

O teste de Papanicolau, chamado exame citopatológico do colo uterino, é o exame de eleição para rastreio de câncer cervical (câncer de colo de útero). Ele é popularmente conhecido como o “exame preventivo”, cujo a amostra é colhida durante as consultas ginecológicas de rotina que as mulheres costumam fazer. É o exame onde o médico usa um “bico-de-pato” (como é conhecido o espéculo) e passa a espátula e a escovinha no colo de útero localizado no fundo da vagina. Esse material vai para laboratório específico e será avaliado por um médico patologista. O resultado pode identificar células malignas (cancerosas) ou lesões pré-malignas (que ainda não viraram câncer mas estão no processo).

Lesões pré-câncer costumam ser descritas como neoplasia intraepitelial cervical (NIC). Os graus variam de I a III, sendo NIC III já considerado câncer, chamado de carcinoma in situ. Mas também existem resultados intermediários como ASCUS, LSIL, HSIL, ASGUS (são resultados pré-câncer ou suspeitos/indeterminados). Muitas vezes esses resultados motivam a realização de outros exames ou repetição do teste.

Vale destacar a importância das mulheres BUSCAREM O RESULTADO do teste de Papanicolau. Esse é o correto rastreio. Qualquer que seja o resultado (mesmo normal), o profissional que colheu a amostra deve receber e interpretar, individualizando cada caso de cada paciente. Nunca a paciente deve tomar qualquer conduta sem a orientação de um médico.

O diagnóstico definitivo vai ser alcançado após análise histopatológica feita por um médico patologista. Ele irá analisar o material proveniente de uma biópsia, ou de uma Cirurgia de Alta Frequência (CAF).

  • Biópsia: retirada de uma parte de um órgão com objetivo de fazer diagnóstico de algo através da análise de um patologista.
  • CAF: procedimento cirúrgico onde o cirurgião utiliza um agente químico no colo do útero para identificar toda a área suspeita, e utiliza uma agulha quente que retira essa área e cauteriza o local.

A indicação para escolha entre biópsia ou CAF varia dependendo do grau e extensão da lesão suspeita. A evolução também é importante, porque mesmo lesões de baixo de grau como NIC I podem ser indicadas para CAF caso sejam persistentes. De maneira geral, não é recomendado realização de CAF em mulheres com infecção ativa. É preciso tratar antes.

Outro método bastante usado em caso de resultado “intermediário” (ASCUS, por exemplo) no Teste de Papanicolau é a Captura Híbrida. Exame que detecta e classifica entre alto risco ou baixo risco o HPV presente nesse material (risco para câncer). Perceba que ele não dá diagnóstico de câncer, pois analisa o vírus, e não as células da mulher.

Uma curiosidade: Não sei se notou, mas o Teste de Papanicolau e a captura híbrida podem usar o mesmo material coletado. No entanto o Papanicolau avalia as células do colo uterino da mulher, enquanto a captura híbrida avalia o vírus presente (HPV).

Colposcopia

A colposcopia, frequentemente usada para orientação de biópsia ou acompanhamento de lesões tratadas, é um exame que utiliza uma “lente de aumento” para ter maior definição do aspecto do colo uterino e da vagina. Pode ser indicada após um resultado suspeito de Papanicolau ou captura híbrida.

TRATAMENTO

Não existe a possibilidade de um tratamento de câncer de colo de útero bem feito sem um estadiamento bem feito. Saber o estágio da doença é que determina qual o melhor método para tratamento da doença. Vamos entender o básico sobre os estágios:

Dr Rafael realizando uma conização.

O câncer cervical (colo uterino) pode variar do estágio I ao estágio IV. Na verdade existe até um estágio anterior ao I, que chamamos de carcinoma in situ. Usamos esse termo quando há tecido canceroso que não invade camadas diferentes da camada de origem.

Os estágios estão relacionados à extensão do câncer e sua profundidade. E como falamos anteriormente, câncer pode se estender localmente (invadindo órgãos vizinhos) ou à distância, invadindo linfonodos (gânglios) ou órgãos não-vizinhos como fígado e pulmão. Cada estágio tem subdivisões (em letras e números arábicos), e, acredite, dentro de um mesmo estágio podemos encontrar recomendações de tratamentos distintos.

Ressenância magnética de tumor em estágio IB

O estadiamento deve ser feito por meio de exame físico ginecológico, análise histopatológica da amostra da biópsia (avaliando extensão e profundidade) e exames de imagem, como tomografia e ressonância magnética. É importante também falar do estadiamento cirúrgico, que será destrinchado mais a frente.

Diferente de outros tipos de câncer, o CEC de colo uterino muitas vezes pode ser adequadamente tratado, com intenção de cura, SEM CIRURGIA.

  • Radioterapia: é o carro-chefe para tratamento do câncer de colo de útero não-cirúrgico. Inclui a emissão de radiação vinda de uma máquina na direção do colo uterino (há quem use a expressão “banho de luz”). Ela queima o tumor, destruindo as células malignas.
  • Quimioterapia: uso de medicações para o tratamento. Em muitos protocolos para câncer cervical, tem como objetivo tornar o tumor mais suscetível à radioterapia. Mas pode ser usada para tratamento de doença à distância, ou até antes da radioterapia (visando reduzir o tumor).
  • Braquiterapia: é um tipo específico de radioterapia. A substância radioativa é injetada diretamente no colo uterino, tratando o tumor “de dentro pra fora”.

Outras modalidades são mais utilizadas (mas não exclusivamente) em contexto de controle de doença disseminada (metastática). Incluímos:

  • Terapia-alvo: drogas que identificam proteínas específicas de tumores específicos para atuar só sobre essas células tumorais. Perceba a necessidade dessa ALTA especificidade.
  • Imunoterapia: drogas que estimulam o sistema imunológico do paciente a identificar a célula cancerosa como um agente a ser eliminado (também tem indicações bem específicas).

A combinação das diferentes modalidades e o uso de diferentes esquemas de cada uma delas é um trabalho minucioso que envolve toda uma equipe interdisciplinar com médicos clínicos, radioterapeutas, cirurgiões e outros profissionais de saúde. A escolha do método é sempre baseada em evidência científica de bons resultados, e a individualização para a realidade de cada paciente.

CIRURGIA

O Cirurgião Oncológico além de participar dos momentos de diagnóstico e estadiamento clínico da doença, também tem papel primordial no seu tratamento e acompanhamento (follow-up ou seguimento).

Um outro papel pouco conhecido do Cirurgião Oncológico para esses casos é o estadiamento cirúrgico. Sim, a cirurgia começa, seja por via aberta (laparotomia) ou por videolaparoscopia (ou robótica), com uma inspeção da cavidade abdominal em busca de lesões disseminadas que não apareceram nos exames pré-operatórios. Caso não haja lesões suspeitas, a cirurgia segue para avaliação dos linfonodos pélvicos; eles são retirados para análise do patologista dentro da sala cirúrgica. Caso não haja sinais de câncer nos linfonodos, a cirurgia segue para retirada total do útero com o fundo da vagina e estruturas próximas chamadas de paramétrios (histerectomia total ampliada). Principalmente em pacientes jovens opta-se pela preservação dos ovários.

Diante do exposto, fica fácil perceber que mesmo sem complicações, a cirurgia pode ser interrompida caso o estadiamento cirúrgico encontre câncer disseminado para outros órgãos ou linfonodos. Isso porque nesse cenário, a retirada do útero não ajuda no controle do câncer. E se não há benefício, só restam os potenciais riscos.

Como exceção, mesmo em caso de doença avançada, a possibilidade de histerectomia (cirurgia de retirada do útero) pode ser pensada caso haja sangramento vaginal persistente que não responde às medidas clínicas.

A cirurgia para tratamento do câncer de colo de útero está indicada em caso de doença restrita ao colo do útero, ou seja, nos estágios mais iniciais. As etapas explicadas acima seriam então assim:

  1. Inspeção da cavidade abdominal: preferência para técnicas minimamente invasivas como videolaparoscopia ou robótica, a fim de obter uma recuperação mais rápida, menos dolorosa e rápida prontidão para qualquer tratamento subsequente.
  2. Avaliação dos linfonodos pélvicos (congelação): patologista checa se há câncer nos linfonodos que acabaram de ser retirados (não é incomum o exame de imagem não detectar linfonodos com micrometástase).
  3. Histerectomia total ampliada (ou alargada, ou radical): retirada completa do útero, paramétrios e fundo da vagina. A preservação dos ovários pode ser indicada. Aqui cabe discussão quanto ao uso de técnicas minimamente invasivas. Sempre conversar com o cirurgião riscos e benefícios.

A paciente pode perfeitamente receber alta hospitalar no dia da cirurgia ou no dia seguinte à cirurgia (o horário da cirurgia e o Risco Cirúrgico influenciam na decisão).

Alguns casos muito iniciais podem se valer da traquelectomia, procedimento onde apenas o colo do útero é removido. Interessante para pacientes que ainda desejam gestar (mas também precisa discutir com seu cirurgião riscos e benefícios).

Outro procedimento cirúrgico que vale a pena ser mencionado é a conização. Ela consiste numa ressecção tridimensional em formato de cone de uma área suspeita. Ajuda a esclarecer dúvida diagnóstica de uma biópsia inconclusiva, determinar melhor o grau de invasão de uma lesão, e até a tratar uma lesão pré-câncer.

PREVENÇÃO

EVITAR A INFECÇÃO PELO HPV. Esse é o segredo. E dois são os métodos:

  1. Vacinação
  2. Relação sexual protegida (camisinha)

A vacina tetravalente contra HPV protege contra os 2 subtipos mais comuns (HPV 6 e HPV 11) e os 2 mais associados ao câncer de colo de útero (HPV 16 e HPV 18). Ela é disponibilizada pelo SUS, e indicada para:

  • Meninas de 9 a 14 anos.
  • Meninos de 11 a 14 anos.
  • Pessoas com AIDS/HIV.

Na rede particular, podemos encontrar a vacina que cobre 9 subtipos de HPV: os 4 já citados e 5 outros adicionais. A faixa etária de cobertura na rede privada também é maior:

  • Meninas e mulheres de 9 a 45 anos.
  • Meninos e homens de 9 a 26 anos (em alguns casos, pode ser administrado fora dessa faixa também).

A vacinação de meninos e homens é importante para evitar a propagação de HPV pela população. Havendo controle da transmissão desse vírus, estaremos caminhando no sentido de controlar também a incidência de câncer de colo de útero, assim como o câncer de pênis (associado ao HPV).

Sabendo que HPV é um vírus transmitido sexualmente, o uso de métodos contraceptivos de barreira (como preservativo masculino e feminino) evitam a infecção pelo vírus. Assim se evita as verrugas benignas causadas pelo HPV e também as lesões que podem evoluir com câncer.

Prevenir um câncer nunca foi tão fácil e eficaz.

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